O governo do Paraná anunciou que pretende privatizar a empresa de energia estatal Copel, transformando-a em uma corporação, ou seja, uma companhia de capital pulverizado e sem controlador. A mudança deve ser feita por meio de uma oferta pública secundária de ações ordinárias e/ou certificados de depósito de ações (“units”), em um modelo bastante similar ao adotado pela Eletrobras, privatizada neste ano.
O anúncio impulsionou as ações da companhia e as ações ultrapassaram 20% de alta na tarde desta segunda-feira, 21. “Ainda que, para a sua efetivação, ainda restem algumas etapas, como a submissão de projeto à assembleia legislativa do estado do Paraná e a aprovação de contas por parte do tribunal de contas do referido estado, entendemos o movimento como extremamente positivo para as ações de Copel. Destacamos que a novidade dispõe forte potencial para destravar valor ao papel da companhia”, escreveu a equipe de análise da Ativa Research em breve comentário.
Ao Estadão/Broadcast, o analista da Ativa Ilan Arbetman avaliou que existe espaço para “crescimento grande” com os rumos que aparentemente serão tomados pela companhia. “É uma noticia impactante, forte, que não estava absorvida nos preços. Eu via que existia por parte do mercado uma resistência em ver que o processo fosse levado à frente, mesmo com o início dos estudos”, disse.
Os analistas do J.P.Morgan Henrique Peretti e Victor Burke estimaram que a Copel privatizada poderia valer R$ 50 por unit, ante os R$ 35,31 do encerramento da sexta-feira, 18, o que corresponde a um potencial de valorização de 43%, tendo em vista a adoção de uma taxa de desconto menor no modelo adotado pela equipe; uma premissa de redução adicional de 20% nas principais linhas de despesas com vendas, gerais e administrativas (SG&A, na sigla em inglês); e a realavancagem do balanço. No cenário base para privatização utilizado pelo time, a Copel seria negociada a 1,2 vez Valor da Empresa/Base de Ativos Regulatórios (RAB, na sigla em inglês) estimada para 2023.
A rapidez do anúncio foi destacada pela equipe de análise do Itaú BBA. Isso porque faz menos de um mês que a Copel anunciou que o Estado do Paraná tinha solicitado ao Conselho de Controle das Empresas Estaduais (CCEE) um estudo técnico para subsidiar modelo para potencial operação no mercado de capitais em que se otimize o investimento do estado na Copel. Conforme o anúncio desta segunda, a decisão de caminhar com um processo de transformação em corporation via oferta secundária foi tomada com base nesse estudo. “O momento da transação ainda não está claro, mas saudamos o ritmo acelerado com que a empresa está estruturando esse processo”, escreveram os analistas Marcelo Sá, Filipe Andrade e Luiza Candiota.
Investimentos para o Estado
Conforme escreveu o governador reeleito do Paraná (PSD), Ratinho Junior, em carta endereçada ao diretor presidente da Copel, Daniel Slaviero, e divulgada ao mercado, a “operação objetiva a captação de recursos financeiros para suprir necessidades de investimento do Estado do Paraná, bem como a valorização de suas ações remanescentes detidas na Copel”. Segundo ele, essa valorização deverá derivar da potencial geração de valor aos acionistas, “inclusive em virtude de eventual capitalização da Companhia e aceleração de seu plano de negócios”.
“Poucos estados ainda têm a empresa de energia ligada ao governo, o que dificulta a expansão na concorrência com o mercado privado. Com a mudança, a Copel vai liderar o movimento de transformação energética do setor sem as burocracias de uma estatal, mas ainda alinhada aos interesses dos paranaenses”, disse o governo paranaense em nota encaminhada à imprensa.
A operação
A intenção do governo do Paraná é que o Estado, hoje detentor de 31,1% do capital da Copel, com 69,7% das ações ON e 6,9% das PNB, permaneça com participação não inferior a 15% do capital social total da companhia e 10% da quantidade total de votos conferidos pelas ações com direito a voto.
Para adotar esse modelo, o estatuto social da Copel deverá ser alterado, de forma a prever que nenhum acionista ou grupo de acionistas poderá exercer votos em número superior a 10% da quantidade total de votos. O texto também deverá vedar a realização de acordos de acionistas, exceto para a formação de blocos com número de votos inferior ao limite de 10%.
Além disso, o governo do Paraná quer criar uma ação de classe especial (golden share) que dê poderes de veto para determinadas matérias. Também pretende garantir que a companhia seguirá obrigatoriamente sediada no estado, sem qualquer alteração do nome.
Em nota, o governo paranaense afirma que o modelo de corporação é “o mais moderno da atualidade”, consagrado nos países mais desenvolvidos, sendo adotado por empresas como a Vale, Embraer e Eletrobras. “Dessa maneira, a Companhia estará pronta para as mudanças que vão impactar o setor energético nos próximos anos, voltadas aos compromissos ambientais e de geração limpa.”
O modelo de oferta de ações com redução da participação estatal e limitação do poder de voto por acionista é semelhante ao adotado na privatização da Eletrobras. A principal diferença é que no caso da ex-estatal federal foi realizada uma oferta primária de ações, com emissões de novos papéis, gerando recursos novos para a companhia. Vale salientar, no entanto, que na carta endereçada à Copel, Ratinho Junior também fala em “eventual capitalização da Companhia”.
Entre os demais acionistas da Copel estão BNDESPar, com 12,4% nas ON e 24% do capital total, e Eletrobras, com 1,5% das ON e 0,5% do capital total. Ambos também são candidatos a aproveitar a operação para se desfazer de suas posições.
Golden share
A ação de classe especial planejada pelo governo do Paraná vai conferir o poder de veto do estado em determinadas deliberações da assembleia geral relacionadas, por exemplo, a investimentos na distribuidora da companhia.
Haveria intervenção estatal especialmente caso os investimentos não atinjam, no mínimo, nível de duas vezes a Quota de Reintegração Regulatória (QRR), o que corresponde à depreciação regulatória, de determinado ciclo de Revisão Tarifária Ordinária ou, no acumulado, até o fim da concessão.
Esse poder de veto só será concedido enquanto o Estado do Paraná detiver pelo menos 10% do total das ações.
Próximos passos
Para a realização da operação, é necessária a autorização prévia da Assembleia Legislativa do Paraná e a análise do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE). O governo de Ratinho Junior informou que apresentará a proposta para a Assembleia Legislativa do estado até o fim do dia.
Em fato relevante encaminhado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Copel ressaltou que a transformação da companhia em uma corporação depende de autorizações legais que serão avaliadas. A companhia também vai avaliar o modelo proposto e os procedimentos específicos para sua efetivação, incluindo a eventual convocação da assembleia geral para deliberar sobre o assunto.
Foz do Areia
A nota do governo do Paraná também faz uma rápida menção à usina Foz do Areia, sinalizando uma possível mudança na estratégia a ser adotada pela empresa para garantir a renovação da concessão do ativo, a depender da rapidez com a qual a oferta de ações for feita. “[Com a operação], os ativos de geração serão preservados, como a Usina de Foz da Areia, deixando intacto o patrimônio da Copel”, diz o texto.
Foz do Areia é uma hidrelétrica em fim de concessão, e a Copel trabalha, há mais de um ano, no processo visando a renovação do contrato, o que, pelas regras atuais, implica a venda do controle da usina, a exemplo do que foi feito com outras usinas antigas de outras estatais. O plano anunciado pela atual administração da companhia é concluir o processo até o quarto trimestre de 2023. Com a privatização da empresa, no entanto, a perspectiva para a nova concessão da usina pode mudar.
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